quinta-feira, 16 de junho de 2011

Biólogos em meio a crise

 ¡Que vivan los estudiantes,/ jardín de las alegrías!
Son aves que no se asustan/ de animal ni policía,
y no le asustan las balas/ ni el ladrar de la jauría.
Caramba y zamba la cosa, /¡que viva la astronomía!
(Violeta Parra)

A  crise  socioambiental  da  qual  participamos  nesse  início  de  milênio  –  mas  que remonta à  revolução  industrial e ascensão do modelo capitalista mundial  - pode  se  tornar um momento fecundo para a gestação de novos caminhos de luta, e para nós, estudantes de biologia, isso se  torna imperativo.
 
A  profissão  do  biólogo(a)  é  ainda  muito  recente  e  não  corresponde cronologicamente  ao  surgimento  dos  estudos  (referentes  à  ciência  ocidental)  de  caráter biológico  realizado  em  especial  pelos  grandes  naturalistas  da  segunda metade  do  século XIX  e  início  do  século  XX.  Nas  últimas  duas  décadas,  o  biólogo(a)  tem  ganhado visibilidade cada vez maior no meio acadêmico e na sociedade em geral. A procura pelos cursos  de  biologia  aumenta  a  cada  ano.  Além  disso,  o  perfil  dos(as)  estudantes  tem  se tornado  ainda  mais  heterogêneo  acompanhando  o  aumento  do  status  e  reconhecimento social da profissão de biólogo. A proposta desse texto é fazer uma reflexão sobre a atuação  do(a) biológo(a) em meio ä  tensão  representada pelos conflitos entre o modelo  imposto e estabelecido  pelos  grupos  dominantes  e  a  reestruturação  das  relações  sócio-político-econômicas  sonhadas  pelos  setores  populares-  os  esmagados  pela  roda  opressora  da história.
 
Antes  acho  importante  dizer  a  partir  de  onde  eu  falo,  assumir  a  limitação  e parcialidade de meu discurso. Falo de uma história em um bairro pobre da periferia de Belo Horizonte  onde  sempre  participei  de Comunidades Eclesiais  de Base  e  fui  educado  para esperança. É claro pois, que meu discurso está do lado dos oprimidos e nega o modelo de organização  da  vida  social  vigente.  Como  nos  lembra  o  grande  neurobiólogo Humberto Maturana: “há muitos mundos possíveis, nem todos igualmente desejáveis”.
 
Em  primeiro  lugar  faz-se  necessária  uma  reflexão  sobre  as  intenções  dos  futuros biólogos  em  relação  a  sua  atuação  profissional.  Sem  um  cunho maniqueísta,  sugiro  que podemos  visualizar  alguns  grupos  de  estudantes  de  biologia,  -  usando  como  base  de agrupamento os  interesses profissionais dos estudantes e  seu modo de estar nesse mundo em crise - considerando-se é claro que podemos transitar entre eles todo o tempo:

Biólogos Naturalistas - Há o grupo daqueles estudantes que exercem sua pesquisa como se esta estivesse desgarrada da realidade. Afundam-se nos  laboratórios em busca de padrões  de  diversidade,  mapeamento  gênico,  ou  histoquímica  e  preservam  as  supostas pureza e imparcialidade da ciência moderna. O sucesso desses estudantes, e sua satisfação, são medidos pelo número de artigos científicos publicados, resumos em congressos e pelo grau de titulação alcançado. Pouco importa a massa de excluídos(as) que financiaram suas
pesquisas  e  lhe  concederam,  através  de  seu  suor  e  seu  sangue,  as  bolsas  de  pesquisa. Esquecem-se  que  “os  cientistas  não  começam  a  vida  como  cientistas,  mas  como  seres  sociais  imersos numa  família, num Estado, numa  estrutura produtiva,  e eles  enxergam a natureza  através  de  lentes  que  foram  moldadas  pelas  suas  experiências  sociais.” (Lewontin) (1)

Biólogos de Mercado – Talvez o grupo com maior representação seja daqueles que vêem  na  biologia  uma  oportunidade  de  ocupar  um  nicho  no  mundo  do  trabalho  em expansão. O que é verdade; basta analisar o número de empresas de consultoria ambiental que  tem  se  espalhado  por  todo  o  Brasil  para  servir  ao  sistema  imundo  de  licitação construído  para  maquiar  a  exploração  realizada  pelas  grandes  empresas  e  aliviar  a consciência do Estado.   Outro  ramo  importante  são as empresas biotecnológicas, do qual Minas  Gerais  corresponde  a  25%  do mercado  nacional.  O  sucesso  profissional  torna-se (como  também  para  o  grupo  anterior),  o  parâmetro  norteador  da  ação  profissional, permitindo  desvios  éticos  para  atender  aos  interesses  do  mercado.  Relatórios  técnicos podem ser forjados, o conhecimento  tradicional de populações rurais e  indígenas pode ser roubado sem problemas. As empresas Júnior tornam-se mais um braço do mercado dentro das  universidades.  Podemos  ainda  lembrar  do  financiamento  de  pesquisas  por  grandes empresas  como  a Aracruz Celulose, que ocupa  terrras  indígenas  e quilombolas  com  suas monoculturas de eucalipto e ao mesmo  tempo  injetam vultuosos  recursos em  laboratórios de melhoramento genético.

Biólogo “verdes” –  aqueles que  se comprometem de corpo e  alma pela defesa da natureza,  mas  ainda  reforçam  a  dicotomia  homem/natureza  construída  pelo  discurso  do desenvolvimento  sustentável. Reverberam  aos  quatro  ventos  a  vaga,  amorfa  e  infecunda frase: “o homem destrói a natureza”. Adotam o discurso dominante, fundado no imaginário de  que  a  superação  da  crise  ambiental  pode  se  dar  através  dos  avanços  tecnológicos,  as chamadas  tecnologias  limpas.  Geralmente  contentam-se  com  campanhas  para  salvar  as baleias, o mico leão, etc., e são incapazes de realizar uma análise histórica do processo de avanço do  capitalismo  e  seus  efeitos  sobre os  sistemas biológicos. Agem,  conscientes ou
inconscientemente, a  favor do sistema dominante, propagando a  idéia de que é possível a sustentabilidade capitalista. Tem sua origem nos movimentos ambientalistas da década de 70 e 80, enraizados no movimento hippie e outros grupos “alternativos”.

Biólogos Socioambientais – Há ainda aqueles que percebem as implicações sociais de  sua  atuação  profissional.  Muitas  vezes  se  envolvem  com  os  movimentos  sociais  e conseguem perceber a biologia não apenas como uma ciência, ou uma profissão, mas uma lente  pra  ver  a  realidade.  E  é  preciso  então  entender  as  propriedades  dessa  lente  para percebemos até onde  ela nos conduz. O estudo dos  sistemas vivos deveria nos encher de novo do encantamento pelo mundo e pelas pessoas, e destruir o relativismo e pragmatismos pós-modernos. Reforçar a visão pessimista do ser humano como o grande Satã da Terra, em
nada contribui para mudanças do estado das coisas. É preciso uma certa dose de coragem para se ter esperança. Luz demais realmente pode cegar. Apesar da obviedade, precisamos nos lembrar o que aponta Paulo Freire em “Pedagogia da Autonomia”:

“...É  por  isso  também  que  não me  parece  possível  nem  aceitável  a  posição  ingênua  ou, pior, astutamente neutra de quem estuda, seja o físico, o biólogo, o sociólogo, o matemático, ou o pensador  da  educação. Ninguém  pode  estar  no mundo,  com  o mundo  e  com os  outros de  forma  neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. A acomodação em mim é apenas  caminho  para  a  inserção,  que  implica  decisão,  escolha,  intervenção  na  realidade.  Há perguntas a  serem  feitas  insistentemente por  todos nós e que nos  fazem  ver a  impossibilidade de estudar por estudar. De estudar descomprometidamente como se misteriosamente, de repente, nada tivéssemos que ver com o mundo, um lá fora e distante mundo, alheado de nós e nós dele. Em favor de que estudo? Em favor de quem? Contra que estudo? Contra quem estudo?” (2)

Assumindo-se então que é possível e necessário um outro mundo onde a vida possa  continuar  sua  autopoiese  (ver  “A  árvore  do  conhecimento” (3) –  Humberto  Maturana  e  Francisco Varella), algumas posturas e ações podem enriquecer e nos ajudar na construção de outra práxis biológica:

-  subverter  a  lógica  de  mercado  e  pautar  nossa  prática  no  compromisso  com  a construção da nova sociedade;
- criar cada vez mais espaços de partilha e ação coletiva em que possamos  refletir sobre  nossa  prática,  bem  como  nos  capacitando  de metodologias  de  análise  da  realidade além do discurso biológico, superando as barreiras de conhecimento;
- ir ao encontro dos diversos movimentos sociais e se colocar na luta com eles;                            
-  cultivar  coletivamente  a  cada  dia  o  amor  pela  vida  e  principalmente  pela  vida humana, como símbolo do planeta que pensa a si mesmo e se olha; (4)
-  reconhecer e valorizar outras  formas de conhecimento que não o  saber científico ocidental;
-  resgatar o valor do  sagrado e do  transcendente como modo de estar no mundo e com os(as) outros(as) e de religação com a Terra. 

Em  artigo  recente,  o  grande  teólogo  da  libertação  e  companheiro Leonardo Boff (5) aponta que as esquerdas precisam de biologia. Como biólogos(as) podemos fazer uma outra leitura: a biologia precisa ser politizada. Isso significa uma reflexão constante e profunda sobre nossa contribuição para a mudança das estruturas de morte arraigadas na sociedade e nas nossas  relações. É preciso pisar na  lama da  injustiça, caminhar com os mais pobres e oprimidos, não só homens e mulheres, mas a própria terra que geme dores de parto. Em um curso  que  fiz  recentemente  em  São  Paulo,  uma  pastora  metodista  resgatou  essa  bela
imagem  do  livro  do Apocalipse  em  que  a mulher  vestida  de  sol  tentava  dar  a  luz  sob  a ameaça  do  dragão  que  queria  engolir  a  criança. Mas  mesmo  sob  o  perigo  da  morte,  a mulher ainda faz força porque é preciso ver o novo nascer. Também queremos ver o novo nascer,  nova  sociedade,  assentada  sobre  novas  relações.  Mas  o  dragão  do  capitalismo neoliberal tenta a todo custo engolir o novo que vem. É preciso esperançar... 

1. Em Biologia como Ideologia faz uma fecunda reflexão sobre a ditadura do DNA vivenciada na última década
no meio de pesquisa biológica além das falta de liberdade de pensamento entra os biólogos (as).

 2. Paulo  Freire,  assim  como Moacir  Gadotti  tem  muito  a  contribuir  para  a  reflexão  dos  biólogos
educadores/professores, tão pouco valorizados no meio acadêmico. Considerados como uma função “menor” de um biólogo, ou apenas uma garantia de emprego mínimo.

3. “Nossa proposta é que os seres vivos se caracterizam por – literalmente – produzirem de modo contínuo a si próprios, o que indicamos quando chamamos a organização que os define de organização autopoiética.”  (Maturana & Varela in: A árvore do conhecimento)
                                               
4.  “Além  do  mais,  tudo  isso  nos  permite  perceber  que  o  amor  ou,  se  não  quisermos  usar  uma  palavra  tão  forte,  a aceitação do outro junto a nós na convivência. É o fundamento biológico do fenômeno social. Sem amor, sem aceitação do outro junto a nós, não há socialização, e sem esta não há humanidade.” (in: A árvore do conhecimento)

5.  “Da  consciência  de  classe  devemos  passar  à  consciência  de  espécie,  da  classe  social  à  biologia
social. A consciência de espécie é  fundamental na relação  ser humano-natureza. De nosso comportamento
coletivo  face  às  questões  ligadas  à  biologia  como  a biodiversidade  ameaçada,  a  escassez  dos  recursos,  o crescente aquecimento global, atestado agora pelo IPCC, o problema demográfico angustiante e as questões das armas de destruição em massa, depende a sobrevivência de nossa espécie homo. Esta questão ultrapassa a  classe  social,  pois  a  ameaça  atinge  indistintamente  a  todos.  Todavia,  há  que  se  reconhecer  com  os marxistas que a diminuição da desigualdade e a justiça societária são precondições para o equilíbrio sócio-ecológico que retarda os efeitos da entropia.”  =  (Leonardo Boff - http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=26278&busca=biologia)

(Texto elaborado em setembro de 2007)


domingo, 6 de dezembro de 2009

Viço da Terra no Festival "Favela é isso aí"

Viço da Terra será exibido em diversas regiões de Belo Horizonte e região metropolitana.
Então, confiram a programação completa no site: www.favelaeissoai.com.br

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Os encontros na horta

Em julho de 2007, numa manhã de sábado, eu e Artur descemos no final do ônibus 4107. Estavamos indo ao encontro de um tal de Sr. Timóteo, que junto com outros companheiros, tinha implantado uma horta comunitária... Fomos sem muitas pretensões, para ouvir, pisar e sentir esse novo chão. Estávamos lá como Grupo Aroeira, nascido a alguns meses antes, da inquitação e esperança de alguns estudantes desajuizados da UFMG que buscavam o ato mais que subversivo de dialogar verdadeiramente com outras formas de saber. Desde então, já se vão quase dois anos de inúmeros encontros, descobertas, oficinas, xaropes, sabonetes, pomadas, curas, lágrimas, suor e muita, muita couve. Nossos sábados nunca mais foram os mesmos. O Cafezal, num ato de sacrilégio, pisou lá dentro da universidade, pela voz e pelo corpo de Sr. Timóteo, para o qual estavam voltadas todos os olhares e mentes daqueles que o escutavam. Este documentário também é fruto daquele primeiro encontro em 2007. A horta se alastrou, e gerou frutos bem longe, bem mais longe de onde as mãos de Sr. Durval alcançam. É o Viço da Terra que revela o Viço dos Homens.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Hortinha da Jéssica e do Tiago em Houston, TX

Segue foto da nossa hortinha, estamos começando ainda. Plantamos vinte e cinco mudinhas de mamão papaya e cinco pés de manjericão. Temos, também, uma muda de banana e uma de milho que achamos na num terreiro abondonado e estava quase morrendo.
Embora estejamos na chamada terra do Tio Sam, onde todo mundo pensa que é o top da tecnologia, as hortas de fundo de quintal são bem típicas aqui em Houston. Essas mudas que plantamos por exemplo foram todas ganhadas de outro plantador, um asiático que cultiva pera, mexirica, manjerição, cebolinha e salsa no fundo de seu quintal.
Vamos continuar o plantio no intuito de termos nossa própria colheita de vegetais orgânicos.
Mais uma vez os felicito pelo documentário.
Um forte abraço,
Jéssica Gonçalves


sábado, 22 de agosto de 2009

Quem não tem uma hortinha em casa?

Quem não tem uma hortinha em casa?

Mandem fotos, vídeos e afins que publicaremos no blog. Precisamos divulgar experiências e contato com essa nossa renovadora natureza... alimento... verde! Isso é muito comum na comunidade onde vivo em Venda Nova... Então, mãos à obra, bons exemplos devem ser vistos!

mandem para o email: brunohp1@gmail.com será postado!

Tudo depende da proposta

Após uma pré-exibição do curta, para olhos atentos e mais experientes que os nossos, uma pergunta se faz ambiciosa: o que é esse tal de documentário contemporâneo? Realismo ou realismo? Isso é interessante se pensarmos o mundo externo como referência básica para o cinema, que já nasceu atento ao cotidiano daquela modernidade efervecente. "Viço da terra" traz uma estrutura um pouco diferenciada, não se trata somente de uma alcunha experimental. Mais do que isso. Apresentamos 4 personagens que só existem em comunhão, pois o cerne do nosso projeto está no trabalho coletivo: na horta. Ela é que agrega valor, diferencial à dinâmica do local e ela só existe a partir da união dos personagens. Nesse sentido, não buscamos uma identificação individualizada, aqui é mais importante a existência do todo, do grupo, pois essa é a postura de cada um desses homens no seu dia-a-dia. A horta acaba sendo um pretexto para se buscar essa força, desgastada, que se renova após o cultivo.
Em breve poderemos discutir mellhor o documentário e nossas opções estéticas em contraponto ao associação com as diversas correntes do universo documental. Ainda estamos dando uns toques na edição da imagem e som (sempre tão complicado) buscando alcançar nossos objetivos prévios. Agradeço a ajuda dos professores que vêm colaborando com suas preciosas opiniões... Um debate maior se faz pertinente.