¡Que vivan los estudiantes,/ jardín de las alegrías!
Son aves que no se asustan/ de animal ni policía,
y no le asustan las balas/ ni el ladrar de la jauría.
Caramba y zamba la cosa, /¡que viva la astronomía!
(Violeta Parra)
Son aves que no se asustan/ de animal ni policía,
y no le asustan las balas/ ni el ladrar de la jauría.
Caramba y zamba la cosa, /¡que viva la astronomía!
(Violeta Parra)
A crise socioambiental da qual participamos nesse início de milênio – mas que remonta à revolução industrial e ascensão do modelo capitalista mundial - pode se tornar um momento fecundo para a gestação de novos caminhos de luta, e para nós, estudantes de biologia, isso se torna imperativo.
A profissão do biólogo(a) é ainda muito recente e não corresponde cronologicamente ao surgimento dos estudos (referentes à ciência ocidental) de caráter biológico realizado em especial pelos grandes naturalistas da segunda metade do século XIX e início do século XX. Nas últimas duas décadas, o biólogo(a) tem ganhado visibilidade cada vez maior no meio acadêmico e na sociedade em geral. A procura pelos cursos de biologia aumenta a cada ano. Além disso, o perfil dos(as) estudantes tem se tornado ainda mais heterogêneo acompanhando o aumento do status e reconhecimento social da profissão de biólogo. A proposta desse texto é fazer uma reflexão sobre a atuação do(a) biológo(a) em meio ä tensão representada pelos conflitos entre o modelo imposto e estabelecido pelos grupos dominantes e a reestruturação das relações sócio-político-econômicas sonhadas pelos setores populares- os esmagados pela roda opressora da história.
Antes acho importante dizer a partir de onde eu falo, assumir a limitação e parcialidade de meu discurso. Falo de uma história em um bairro pobre da periferia de Belo Horizonte onde sempre participei de Comunidades Eclesiais de Base e fui educado para esperança. É claro pois, que meu discurso está do lado dos oprimidos e nega o modelo de organização da vida social vigente. Como nos lembra o grande neurobiólogo Humberto Maturana: “há muitos mundos possíveis, nem todos igualmente desejáveis”.
Em primeiro lugar faz-se necessária uma reflexão sobre as intenções dos futuros biólogos em relação a sua atuação profissional. Sem um cunho maniqueísta, sugiro que podemos visualizar alguns grupos de estudantes de biologia, - usando como base de agrupamento os interesses profissionais dos estudantes e seu modo de estar nesse mundo em crise - considerando-se é claro que podemos transitar entre eles todo o tempo:
Biólogos Naturalistas - Há o grupo daqueles estudantes que exercem sua pesquisa como se esta estivesse desgarrada da realidade. Afundam-se nos laboratórios em busca de padrões de diversidade, mapeamento gênico, ou histoquímica e preservam as supostas pureza e imparcialidade da ciência moderna. O sucesso desses estudantes, e sua satisfação, são medidos pelo número de artigos científicos publicados, resumos em congressos e pelo grau de titulação alcançado. Pouco importa a massa de excluídos(as) que financiaram suas
pesquisas e lhe concederam, através de seu suor e seu sangue, as bolsas de pesquisa. Esquecem-se que “os cientistas não começam a vida como cientistas, mas como seres sociais imersos numa família, num Estado, numa estrutura produtiva, e eles enxergam a natureza através de lentes que foram moldadas pelas suas experiências sociais.” (Lewontin) (1)
Biólogos Naturalistas - Há o grupo daqueles estudantes que exercem sua pesquisa como se esta estivesse desgarrada da realidade. Afundam-se nos laboratórios em busca de padrões de diversidade, mapeamento gênico, ou histoquímica e preservam as supostas pureza e imparcialidade da ciência moderna. O sucesso desses estudantes, e sua satisfação, são medidos pelo número de artigos científicos publicados, resumos em congressos e pelo grau de titulação alcançado. Pouco importa a massa de excluídos(as) que financiaram suas
pesquisas e lhe concederam, através de seu suor e seu sangue, as bolsas de pesquisa. Esquecem-se que “os cientistas não começam a vida como cientistas, mas como seres sociais imersos numa família, num Estado, numa estrutura produtiva, e eles enxergam a natureza através de lentes que foram moldadas pelas suas experiências sociais.” (Lewontin) (1)
Biólogos de Mercado – Talvez o grupo com maior representação seja daqueles que vêem na biologia uma oportunidade de ocupar um nicho no mundo do trabalho em expansão. O que é verdade; basta analisar o número de empresas de consultoria ambiental que tem se espalhado por todo o Brasil para servir ao sistema imundo de licitação construído para maquiar a exploração realizada pelas grandes empresas e aliviar a consciência do Estado. Outro ramo importante são as empresas biotecnológicas, do qual Minas Gerais corresponde a 25% do mercado nacional. O sucesso profissional torna-se (como também para o grupo anterior), o parâmetro norteador da ação profissional, permitindo desvios éticos para atender aos interesses do mercado. Relatórios técnicos podem ser forjados, o conhecimento tradicional de populações rurais e indígenas pode ser roubado sem problemas. As empresas Júnior tornam-se mais um braço do mercado dentro das universidades. Podemos ainda lembrar do financiamento de pesquisas por grandes empresas como a Aracruz Celulose, que ocupa terrras indígenas e quilombolas com suas monoculturas de eucalipto e ao mesmo tempo injetam vultuosos recursos em laboratórios de melhoramento genético.
Biólogo “verdes” – aqueles que se comprometem de corpo e alma pela defesa da natureza, mas ainda reforçam a dicotomia homem/natureza construída pelo discurso do desenvolvimento sustentável. Reverberam aos quatro ventos a vaga, amorfa e infecunda frase: “o homem destrói a natureza”. Adotam o discurso dominante, fundado no imaginário de que a superação da crise ambiental pode se dar através dos avanços tecnológicos, as chamadas tecnologias limpas. Geralmente contentam-se com campanhas para salvar as baleias, o mico leão, etc., e são incapazes de realizar uma análise histórica do processo de avanço do capitalismo e seus efeitos sobre os sistemas biológicos. Agem, conscientes ou
inconscientemente, a favor do sistema dominante, propagando a idéia de que é possível a sustentabilidade capitalista. Tem sua origem nos movimentos ambientalistas da década de 70 e 80, enraizados no movimento hippie e outros grupos “alternativos”.
Biólogos Socioambientais – Há ainda aqueles que percebem as implicações sociais de sua atuação profissional. Muitas vezes se envolvem com os movimentos sociais e conseguem perceber a biologia não apenas como uma ciência, ou uma profissão, mas uma lente pra ver a realidade. E é preciso então entender as propriedades dessa lente para percebemos até onde ela nos conduz. O estudo dos sistemas vivos deveria nos encher de novo do encantamento pelo mundo e pelas pessoas, e destruir o relativismo e pragmatismos pós-modernos. Reforçar a visão pessimista do ser humano como o grande Satã da Terra, em
nada contribui para mudanças do estado das coisas. É preciso uma certa dose de coragem para se ter esperança. Luz demais realmente pode cegar. Apesar da obviedade, precisamos nos lembrar o que aponta Paulo Freire em “Pedagogia da Autonomia”:
“...É por isso também que não me parece possível nem aceitável a posição ingênua ou, pior, astutamente neutra de quem estuda, seja o físico, o biólogo, o sociólogo, o matemático, ou o pensador da educação. Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. A acomodação em mim é apenas caminho para a inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade. Há perguntas a serem feitas insistentemente por todos nós e que nos fazem ver a impossibilidade de estudar por estudar. De estudar descomprometidamente como se misteriosamente, de repente, nada tivéssemos que ver com o mundo, um lá fora e distante mundo, alheado de nós e nós dele. Em favor de que estudo? Em favor de quem? Contra que estudo? Contra quem estudo?” (2)
Assumindo-se então que é possível e necessário um outro mundo onde a vida possa continuar sua autopoiese (ver “A árvore do conhecimento” (3) – Humberto Maturana e Francisco Varella), algumas posturas e ações podem enriquecer e nos ajudar na construção de outra práxis biológica:
- subverter a lógica de mercado e pautar nossa prática no compromisso com a construção da nova sociedade;
- criar cada vez mais espaços de partilha e ação coletiva em que possamos refletir sobre nossa prática, bem como nos capacitando de metodologias de análise da realidade além do discurso biológico, superando as barreiras de conhecimento;
- ir ao encontro dos diversos movimentos sociais e se colocar na luta com eles;
- cultivar coletivamente a cada dia o amor pela vida e principalmente pela vida humana, como símbolo do planeta que pensa a si mesmo e se olha; (4)
- reconhecer e valorizar outras formas de conhecimento que não o saber científico ocidental;
- resgatar o valor do sagrado e do transcendente como modo de estar no mundo e com os(as) outros(as) e de religação com a Terra.
Em artigo recente, o grande teólogo da libertação e companheiro Leonardo Boff (5) aponta que as esquerdas precisam de biologia. Como biólogos(as) podemos fazer uma outra leitura: a biologia precisa ser politizada. Isso significa uma reflexão constante e profunda sobre nossa contribuição para a mudança das estruturas de morte arraigadas na sociedade e nas nossas relações. É preciso pisar na lama da injustiça, caminhar com os mais pobres e oprimidos, não só homens e mulheres, mas a própria terra que geme dores de parto. Em um curso que fiz recentemente em São Paulo, uma pastora metodista resgatou essa bela
imagem do livro do Apocalipse em que a mulher vestida de sol tentava dar a luz sob a ameaça do dragão que queria engolir a criança. Mas mesmo sob o perigo da morte, a mulher ainda faz força porque é preciso ver o novo nascer. Também queremos ver o novo nascer, nova sociedade, assentada sobre novas relações. Mas o dragão do capitalismo neoliberal tenta a todo custo engolir o novo que vem. É preciso esperançar...
1. Em Biologia como Ideologia faz uma fecunda reflexão sobre a ditadura do DNA vivenciada na última década
no meio de pesquisa biológica além das falta de liberdade de pensamento entra os biólogos (as).
no meio de pesquisa biológica além das falta de liberdade de pensamento entra os biólogos (as).
2. Paulo Freire, assim como Moacir Gadotti tem muito a contribuir para a reflexão dos biólogos
educadores/professores, tão pouco valorizados no meio acadêmico. Considerados como uma função “menor” de um biólogo, ou apenas uma garantia de emprego mínimo.
3. “Nossa proposta é que os seres vivos se caracterizam por – literalmente – produzirem de modo contínuo a si próprios, o que indicamos quando chamamos a organização que os define de organização autopoiética.” (Maturana & Varela in: A árvore do conhecimento)
4. “Além do mais, tudo isso nos permite perceber que o amor ou, se não quisermos usar uma palavra tão forte, a aceitação do outro junto a nós na convivência. É o fundamento biológico do fenômeno social. Sem amor, sem aceitação do outro junto a nós, não há socialização, e sem esta não há humanidade.” (in: A árvore do conhecimento)
5. “Da consciência de classe devemos passar à consciência de espécie, da classe social à biologia
social. A consciência de espécie é fundamental na relação ser humano-natureza. De nosso comportamento
coletivo face às questões ligadas à biologia como a biodiversidade ameaçada, a escassez dos recursos, o crescente aquecimento global, atestado agora pelo IPCC, o problema demográfico angustiante e as questões das armas de destruição em massa, depende a sobrevivência de nossa espécie homo. Esta questão ultrapassa a classe social, pois a ameaça atinge indistintamente a todos. Todavia, há que se reconhecer com os marxistas que a diminuição da desigualdade e a justiça societária são precondições para o equilíbrio sócio-ecológico que retarda os efeitos da entropia.” = (Leonardo Boff - http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=26278&busca=biologia)
(Texto elaborado em setembro de 2007)